Se penso duas vezes
Não é porque tenho escolha
Não tenho escolha nem cura
A inteligência é isto:
Um peso inútil
Que se tem de carregar
Ao longo de toda a vida
Uma penosa maldição
À qual a contingência condena
Alguns pobres desgraçados
Desafortunados e desventurados
Agora me vejo:
Um asno trágico
Que têm sobre si
Um peso excessivo
Que não pode suportar
E tampouco lançar fora
Queria ser burro
Ou leviano
Ou ingênuo
Ou irrefletido
Ou superficial
Ou espontâneo
Não me importa o eufemismo
Que usemos para suavizar
A grande estultice humana
Em sua felicidade conseqüente
Semelhante à dos animais
Viver na superfície
Respirar ar leve
Límpido e falso
Ou afogar-se no lodo
Asfixiar-se em fedor
Fealdade e realidade?
Não tenho escolha nem cura
A inteligência é uma prisão
E esta despoja do viver
A prerrogativa de só viver
Imerso na superfície estagnada
De uma vivência impensada
Um grilhão que prende
Ao lodo da realidade
E para cortá-lo
É preciso cortar os pulsos
Com os cacos do espelho
Da própria honestidade
Prisioneiro de meu próprio inferno
Esta chama sempre arderá
Neste corpo de cinzas de carne
Neste aglomerado de vísceras revoltas
Com chumbo correndo às veias
E queimando até a autodestruição
O ódio é meu único vício
O desprezo é minha única virtude
O nada, meu único ideal
Esta vida é lama
Lama e lodo
Depois nada |