Em toda presença – a mesma solidão
Em todo abraço – a mesma distância
Em toda palavra – o mesmo silêncio
Em toda verdade – o mesmo erro
Suspenso no abismo do mundo
De um lado a inexpressão
Do outro, incompreensão
Uma cela invisível – adornada de aflição
Esvazia as minhas palavras
E as condena à inexpressão
Exila as minhas vivências
E as condena à incompreensão
Como dizem pouco as palavras
No exprimir qualquer profundeza
Entre o meu pensar e o teu entender
Entre o meu dizer e o teu ouvir
Jaz eterno o abismo do erro
Sobre uma ponte de símbolos
De imperscrutáveis realidades
Mais de um tolo continua a sonhar
Que algo real é capaz de caminhar
Esta tênue superfície do pensar
Do falar, do sentir e do sonhar
Como alheio de mim mesmo
E com a crueldade de ser honesto
Corto superfícies e máscaras
E olhando no abismo
Envolto pelo silêncio
Reencontro a profundeza
Reencontro minha morada
Vejo além do ator que há em mim
Com precisão míope agora posso ver
O que nenhuma palavra faz compreender
Descarnada a superfície de tudo
Vejo todo valor desvanecer
A consciência do nada
Vem a mim como uma vertigem
Me assalta um desalento indizível
Um desespero sufocante
Prisioneiro de uma angústia
Plena de desprezo mudo
Como suspenso no vácuo
Como o próprio vácuo
Lucidez insuportável
Que parte meus joelhos
Oprime minha consciência
Zomba de minha esperança
Escarnece meus sonhos
Desfaz minhas promessas
Me esmaga com seu pesadume
Me infecta com seu amargor
Pensar-se assim é inumano
Uma indecência amoral
Uma existência impessoal
Em pessoa
Dentro deste teatro triste da vida
Entre a superfície e a profundeza
Vejo-me entre a máscara e o vazio
Como um fantoche oco
Que sofre de ser si mesmo
Ao mesmo tempo em que ri
Por ser si mesmo |