Para que uma vida viva
Outra deve morrer
E tudo deve morrer
Para que a vida seja eterna
Eterna em seu devir
Em sua dor
Em sua finitude
Em sua estupidez
Em seu mistério
Que não é mistério
Porque não é nada
Corre a areia da ampulheta
Inexorável em sua crueldade
Consumindo nossas vidas
Lentamente – passo após passo
Cadáveres lúcidos percorrem
Seus caminhos eternamente vazios
Nascidos num corredor da morte
Condenados à cela deste corpo
Cumprindo o horror deste destino
Que é eternamente vão
Somente cacos humanos
Que formam esta coisa vivente
Que rasteja, murmura, mente
E mente para fazer sentido
Porque precisa fazer sentido
Pois me espanta e dói
Que a vida assim caminhe
Por entre essas paisagens falsas
Sobre esses frios trilhos obscuros
Com os olhos sempre vendados
Numa viagem desnorteada
Para ao fim retornar
À mãe escuridão
Nossa morada
Talvez por sorte
Nenhum espelho reflete a vida
E por isso vive sem saber o que é
Permanecendo alheia de si mesma
Por amor a si mesma
Toda a nossa vida
Este tragicômico passatempo
Alimenta-se da cega paixão
Não merece entendimento
Não merece seriedade
E isso tampouco deseja
Pois sequer suporta |