Eu sei.
É, você sabe, não?
Pois sei também.
Nasci esquecido... num perder-as-rédeas
quando me fizeram um sem-útero a mais no mundo, um nenhum,
dois ou algum para ser lastro social.
Fui à escola, passei no exame de motorista,
tive a sorte de me ver na faculdade
longe dos pais, a ponto de viver com jeito a vida.
Mas e então? Eu sei...
E sabes, acaso, da ilusão de tudo isso?
Acordo e tomo um banho.
Logo de manhã bem cedo já preparo o meu café...
Sou o arrebol da minha vida alheia,
chocalho que faz barulho surdo, sem eco,
e cada passo me é nada.
Vou a lugares para conferir minha liberdade,
e falo do que falo para não restar saudade
a existir em tons de não e dissabor.
Amor e repudio já os conheci;
o frio do inverno e um banho quente;
o calor de todo dia já senti:
também conheço...
Aos poucos me restam poucas coisas
que ainda não fiz.
E vou com medo pelas impossibilidades
minhas e dos outros como um trem num trilho
que vem e volta nas tardes sem vintém
ou em brilhos de ametista,
ou em cordas a segurar um balanço
a nos fazer ganhar tardes de sábado.
Mas agora – e só agora – tenho as mãos
em linhas de marionete. E não aceno
aos outros como bem entendo.
Quem perde a hora faz que eu ganhe
o intento aquém dos dias vagos meus.
E caminho cada passo a partir de minhas cordas
ligadas aos meus pés. E não posso fugir disso!
Vez ou outra – bem agora – puxo as linhas
que imagino, mas só ganho algum soar
de sinos nas igrejas em que alucino o dia.
Meu dia. Um dia.
E não fujo disso!
Durmo, acordo, adormeço, me levanto.
Como, creio, crio para que, depois, meu abandono
seja um tanto que repito em cada tédio,
dançando em notas de violino com o ressoar
de alguns tambores.
Tento a vez nas tantas vias;
vento e dores, voz às brandas sensações
que mais não sinto.
É... você sabe, não?
Chego a perceber que eu sei é nada. |