Paraíso Niilista – O Vazio e o Nada se encontram


 
Seção Poemas
 

felicidade

Aqui
Nesta celestial vacuidade
Onde tudo é provisório
Nasce acabado e corroído
Cada qual à sua maneira
Contorce-se e se reinventa
E morre sem ter vivido

Grande ou pequena
Cada qual abraça sua quimera
Nessa dança ridícula da vida
Onde se chora para então sangrar
                  [todos os dias

Quando a infância se despede
Deixando as lembranças
Levando uma amplitude de ser
Delas retiramos descrições
As mais belas invenções
Nutrindo toda beleza
Profusão de ideais
O dobro de tudo
Pintado em todas cores
Num quadro num quarto da memória
                    [dos plágios

Ao meu lado, vida real
Algumas variedades
De perspectivas delirantes
Três sentidos da vida:
Tomar banho, beber café ou dormir
Enfado...

O problema não é a cura
– dizem –
Nem é a doença
O problema escapa pelas mãos:
As coisas pequenas demais
Onde dizem estar a felicidade
– serão aleijados voluntários
ou incapazes do que é grande? –
Seria isto, então, o problema:
Nascemos sem os óculos – da alma?
Nascemos sem os nervos – dos heróis?

Quem cresceu para aprender
A ver com o coração
Quem esqueceu para voltar
A ver com os olhos
Conhece as minas da fascinação
Os espelhos que ofuscam a razão
Os espelhos que refletem a ilusão
O espaço vazio entre tudo – o vão
A repulsão entre tudo – a contradição
Será que ela se abraça
Ou ignora a explicação?
Que culpa teria o erro?
Prometeu alguma verdade?
Que prometeu um sentido?
Que trocaria a escolha
Pelo sorriso plastificado
Da felicidade obrigatória?

– se é que vale a pena –
Vai e mira qualquer coisa
Além dela mesma
Pois como é triste viver
Em meio à matemática
Sem nenhum enigma
     [sem resposta
Sem nenhuma paisagem
Lançando véus e enigmas
A cobrir este lamaçal de vida

Toda solução indica o nada
– o fim prematuro da jornada –
Que dá numa encruzilhada
Onde há um milhar de duas placas:
Seja bem-vindo! Boa viagem!
(aqui é o começo)
(aqui é a chegada)
Somente resta a disposição
                  [indisposta
Em explicar o porquê de uma rota
O porquê de um passo, do movimento
                       [dessa música
De somente uma nota

Digo isso porque, nesta cadeia
Encontrei a minha resposta
(de longe, era tão bela...)
Não era igual a todas:
(um meio) – Era o derradeiro
Âmago do absurdo
O cerne a contradição
As vísceras dos átomos
Entoando uma melodia pródiga
Tão amarga, verdadeira
Que me fiz prisioneiro
(seria um eremita
se houvesse um caminho
pelo qual regressar)
Forjei minhas correntes
E espero: um há de ceder
De se decompor primeiro

Em meus sonhos
O detector de metais acusa:
Uma arma apontada à cabeça
(como invejo esta máquina...)
Este é o único sonho
Em que sei ser feliz:
Sentindo a liberdade
Rasgar as couraças do peito
As mãos, os pés – obedecem!
As cores sonhadas, renascem
De uma memória abandonada
Por um segundo, um vislumbre:
Tenho todas as escolhas
Mas por que nenhuma?
Sonhos são para um só dia

Nunca chega a hora
Mudo, nada muda
Volto, nada muda
Avanço, nada muda
Desisto, e me empurram

Mas não aprendi a dançar
Não aprendi a caminhar
Não aprendi as certezas
Dos passos firmes
(sabe lá para onde)
(sabe lá para quê)
Cada movimento
Em tudo que tem valor
Só me gera a sensação
De que nunca saí do lugar
De que me comportei
Devidamente: como um aleijado
Nunca chega, hora nenhuma!

Não que, no fundo, seja diferente
Não que, no íntimo, seja especial
Como exemplar dos qualquer-um
Sou também uma pequena merda
E será minha felicidade evaporar
        [todo o esgoto das veias
Tudo aquilo que se ensina a calar

Vazio
Procuraria pelas palavras
De uma despedida tão altiva
Que a arrogância das máquinas
                [se curvaria
E me daria boas-vindas
E me abraçaria o rosto
           [decomposto
E o germe estéril
Que criou o homem
E uma realidade insólita
                    [nele
E uma inquietude estúpida
                  [em nós
De não querer não desejar
              [não sofrer
Permanentemente
Suicida potencial
Sufocando a cada respiro
              [frustrado
Somente na morte
– entrementes –
Entre mentiras e entorpecentes

(mas não é preciso escolher o fim
podemos optar pelo medo cansado
baixar a cabeça, suspirar, esperar:
– acorrentados ou caminhando –
no fim, não temos escolha
sonhamos no mesmo lugar...)

Seja bem-vindo!
(aqui é o começo)
Abrace sua quimera!
Boa viagem!
(aqui é a chegada)
Hora nenhuma!

André Díspore Cancian
[sine data]
 
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[última atualização: 24/08/2023]
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