A esperança da ignorância
Mantém o acaso vivo na dor
Se ousasse qualquer certeza
Isso me seria de certo letal
Um grão dela que fosse
Traria a paz que temo e amo
Temo porque não sei
Amo porque sofro
Oprimido pela ignorância
Em face à finitude
Deixo cair os grãos
As minhas verdades
Este pó que são minhas certezas
Perde-se nas dunas da ignorância
Os montes de ignorância
Que o vento me joga à face
Mas sempre que percorro a praia
Recolho algum grão leve
Algum que me agrade
Pondo em minha face
Um efêmero sorriso
Mas, ai de mim
Se desse grão tivesse certeza
Seria à minha alma
O mais violento dos venenos
Olhando ao meu redor
Penso na grande tolice
Que é embalar grãos
Rotular a ignorância
Verdade e num gesto
De majestosa demência
Acreditar nisso
Se vivesse como catador de grãos
Meu mundo ficaria pesado
Afundaria, virando parte dela
Uma parte da ignorância
Por algum tempo fui sonhador
Sempre sonhava em encontrar
O reluzente grão de cristal
O eterno grão dito real
Mas o cansaço deste viver
Me proíbe da estupidez
De lutar em busca deste grão
Em busca desta ilusão
Que transpira a mendacidade
De tudo aquilo que é eterno
Vago ainda por essa dunas
Mas já sem esperança tolas
Sem qualquer pretensão
De encontrar alguma certeza
Menos mortal que eu
Quando fecho minhas mãos
Todo grão torna-se brasa
Então sempre de mãos vazias
Sou uma incógnita vivendo
Na incógnita deste mundo
E agora se pergunto:
Quem sou eu?
Como poderia haver resposta?
Nunca fui e nunca serei nada
Um andarilho errante
Uma incógnita sem resposta
Caminhando na ignorância
E cansada demais para fingir
Que é aquilo que pensa ser
Sim, já quis ser algo
Mas disso hoje somente rio:
Seria uma incógnita
Empunhando ignorância
Todo grão empunhado é quimera
E como nunca quis ser quimera
Prefiro ser somente incógnita |