Despeço-me do sonho de viver
Do delírio de um dia conseguir
De uma vez apenas ter as mãos
E o coração onde quero e como
Sem desviar disso como perda
Do tempo que perco sem pesar
Não, não acredito mais em mim
Nem no que invento para dar-me
Uma segunda, outra chance
De provar o contrário
Do que sempre foi
A minha vida
Se abrigo algo com afeto
É porque já está morto
Porque aprendi o traquejo
De não me abraçar ao que muda
E não pensar-me preciso quando sou
[meio
Minha saudade é sempre mais amável
Minha memória diz mentiras perfeitas
Que nenhuma realidade desmonta
Em um punhado de palavras e outro
[de vulgaridades
Mesquinhas em entrelinhas
Que me fazem sentir a vida
Como se sente uma pedra
[no sapato
De quem precisa correr atrás
Correr, com passadas medidas
Correr, sem ter qualquer meta
E chamar a coleção de feridas
De história da sua vida
História de um idiota
Certezas de uma besta
Percurso de um imbecil
Objetivos de um estúpido
Me trouxeram até aqui
Foi a história de um erro
Levado até os últimos fôlegos
[do engano
E cuja hora já passou
Agora, resto assim
A sujeira e os cacos
De um sonho perdido
Da amizade com o erro
Do sofrer sem o orgulho
Da luta para ser infeliz
Da solidão de um palhaço
Esforçado em levar-se a sério
Agora
Esforço-me para ver-me passar
E somente passar em branco
[ao negro |