Âncora, lança todo viver
À profundidade que revela
O nada – e tudo se reduz?
Tudo se desmente e inflama!
Frente ao inaudito o terror
Corrói a alma humana
[transpirando
Pálida como o último cigarro
Aquieta-te, sombra panovesca
Aquieta-te e vê o reflexo
Dos teus traços morrentes
Em vida, dormem mortos
Mas algo em ti ainda pulsa
Decrépito em caminhar
Aleijado em existir
Estéril em insistir
Por que não dormes?
Pelos teus sonhos?
Aquelas velharias?
Tudo aquilo que poderias
[se pudesses?
Mas não podes
Então antes do fim...
[uma carta?
Ora, uma carta!
Com mil porquês
Não pudeste em silêncio
Se despedir do dissabor
De sentir-se nada nesta vida?
Palavras parvas de um pavão
Parvo! Palavras opacas
Ante uma muralha espelhada
Teus olhos nela se vêem
E refletem as tuas profundezas
Perfeitamente incompreensíveis
Nada de ti passarás
Somente as palavras
E nada do que sentias
E nada do que pensavas
Junto delas nada há de passar
Toda palavra é um bafo de silêncio
E tudo que se sente é das palavras estranho
E tampouco compreendes isso, alma química!
Compreendesse algo, calaria teu antro de escarro
Do teu discurso compreenderão só o podre do teu hálito
( ... ( ... ) ... ( ... ) ... )
Um dia acordei alheio
Sem sentir o que havia vivido
Os olhos relaxados fundos não fitavam
Não sentiam mais esperança no que viam
O teatro faz-de-conta da vida encerrado
Não havia mais vaidade de encenar
Abruptamente não distinguia sentido
O solavanco fez cessar a sentença
E quando alguém chamou por mim
Prendeu-me a respiração
E precisava do ar do nada
E precisava de todo o silêncio
Pareceu-me que todo o vazio
Era muito mais real que a vida
E mais veraz que qualquer juízo
Talvez fosse impressão
[ou um sonho
Lúcido, lembro-me de uma voz
Que ressoava em minha cabeça:
Aquieta-te, sombra pavonesca! |