O preconceito – este grande conceito que impede a humanidade de caminhar ao futuro promissor onde estão os ursinhos carinhosos – é colocado na mira de todos os ódios com um fervor infernal em todos os lugares em que haja gente insatisfeita com seu lugar no mundo. Mas o objetivo não será entrar na arena armado com gramática até os dentes e fuzilá-lo com uma metralhadora de lógica refutadora – se, como querem, até não gostar de suco de limão é preconceituoso, não há como lutar contra isso. Em vez de apontar uma centena de problemas insolúveis e apresentar imprecisamente o preconceito como vilão, é mais interessante investigarmos exatamente o que se denomina preconceito e a mecânica do raciocínio que o coloca como culpado. Na lógica argumentativa, no lugar de preconceito – que é considerado uma falácia –, se emprega a denominação acidente invertido ou generalização grosseira, que consiste na criação de uma regra geral baseada em dados escassos ou muito específicos, e assim a inferência resultante mostra-se insuficiente para representar a realidade envolvida no fato. O processo intelectual que cria legitimamente as generalizações é chamado indução, e funciona da seguinte forma: certo indivíduo, depois de passar alguns anos tediosos analisando as características físicas da água, afirma que seu ponto de congelamento é zero Celsius. Supondo-se que fez todos os experimentos no nível do mar com água pura, não há nada de incorreto na sua conclusão – podemos dar um desconto para a questão da altitude e as pequenas variações decorrentes. Entretanto, se o indivíduo, baseado nisso, tivesse afirmado que todos líquidos se congelam à mesma temperatura, sua generalização estaria incorreta, pois não descreve, nem de longe, a realidade corretamente. O problema das noções formadas pela indução – que é um assunto muito vivo entre os céticos – é não haver garantia de que a apuração de certo número de eventos de natureza uniforme será suficiente para formular uma regra geral infalível – seriam necessários experimentos infinitos em infinitas condições por tempo ilimitado, o que está mais para poesia que para teoria. Por isso considera-se razoável pensar que, se os resultados experimentais forem suficientemente consistentes para prever aquilo que conhecemos, então estará justificado generalizá-los. A indução, como vemos, serve como o alicerce teórico para explicarmos ou prevermos casos específicos – a chamada dedução. Após alguém ter deixado cair um sem-número de objetos de vários tamanhos, pesos, densidades, cores, formatos, materiais, alturas etc., induziu a conclusão de que caem, todos, em aceleração contínua – qualquer objeto em queda livre na Terra, desprezando-se a resistência do ar, exibe um aumento de 9,8 metros por segundo ao quadrado na velocidade, até se espatifar em algo. Todos sabem disso, mesmo que intuitivamente. A partir dessa indução, que embasa a regra geral, podemos deduzir que, se cuspirmos da sacada, a velocidade da queda do cuspe será a mesma que a nossa, se pularmos dela – e assim estaremos prevendo e descrevendo casos específicos. Porém, se esses mesmos fatos gravitacionais tivessem sido testados insuficientemente e descritos com vagueza, as conclusões não serviriam para nada – só para alimentar polêmicas sobre as aves terem ou não alguma essência metafísica inefável por poderem voar e suas penas aparentemente caírem mais lentamente. As generalizações, baseadas na experiência, são indispensáveis para conseguirmos viver, e isso sequer vale a pela discutirmos – quem duvida dessa afirmação, fique à vontade para afrouxar parafusos no sentido horário pelo tempo que julgar necessário. Tal importância, naturalmente, não implica que todas são verdadeiras ou têm fundamentação palpável, mas o disparate de que generalizações são inerentemente perniciosas é tão singelo que provavelmente saiu de um cérebro traumatizado pela incompreensão da matemática escolar. Como pode haver nelas diferentes graus de precisão e completude, há vários termos para adjetivá-las. Assim, uma generalização muito abrangente formulada sistematicamente, documentada minuciosamente e confirmada incansavelmente recebe o nome honroso de teoria; outra, baseada numa quantidade de dados suficiente para ser justificável e útil no dia-a-dia, é uma opinião; ainda outra, imprecisa, superficial, indemonstrável, sustentada somente pela paixão verborrágica de seu dono, é um preconceito. Apesar de aparentar uma negra complexidade impenetrável, o pensamento preconceituoso não passa disto: executar inferências inconsistentes a partir de idéias capengas, chegando a conclusões espúrias – uma argumentação atravessada diametralmente pela falácia da generalização grosseira. Pode ser uma dedução incorreta a partir de uma premissa verdadeira, uma dedução correta a partir de uma premissa falsa, ou uma dedução absurda a partir de uma premissa idiota. Há vários modos de estar errado. Então, basicamente, preconceitos nascem de nossa incompetência para a lógica, de nossa falta de clareza mental, do hábito de pensarmos mal – isto é, de não pensarmos. Porém, se seguirmos os passos dessa idéia um pouco mais, veremos que não esclarece ou explica muita coisa, do contrário todos os preconceitos morreriam quando se vissem contrariados pela realidade – nós os protegemos por razões alheias à lógica. Como não somos componentes eletrônicos soldados numa placa chamada humanidade, a questão não envolve somente lógica, mas também afetividade. Quando nos apegamos tanto a uma generalização que esta, para nós, precisa estar certa – em vez de precisar concordar com os fatos –, começa a guerra: provar que estamos certos, mesmo que estejamos errados. O objetivo, agora, claramente não tem nada a ver com a realidade – esta deixa de ser a autoridade e o referencial de verdade. O importante é vencer – ou seja, convencer. Isso direciona a investigação ao resto do iceberg: a porção da natureza humana guiada pela irracionalidade, pela paixão, pelo instinto. A alma da coisa toda, como se supõe, consiste na luta pelo poder – usando a racionalidade para satisfazer objetivos irracionais. Mesmo para o filósofo mais eremítico e abstrato, a razão não é – nem pode ser – um fim em si mesmo, mas um meio de nossa irrazão instintiva. Hierarquicamente, podemos sumarizar os fatos desta forma: razão pelo poder, poder pelo prazer, prazer pelo instinto, instinto pelos genes, genes pela física, física pelo absurdo. E nós, caídos de pára-quedas nesse nonsense todo, sabe-se lá pelo que somos. Não que isso seja motivo para angústias abissais e aflições destruidoras de unhas – excetuando o caso de quem tem uma calculadora como ideal –, mas é comum esquecermos que a racionalidade aguda – que nos diferenciou evolutivamente enquanto espécie – só deixa à mostra a superfície das motivações humanas. Se tivermos alguma pretensão à veracidade, devemos analisá-la numa ótica que considera nossa irracionalidade como algo mais fundamental, que orienta a razão. O raciocínio romântico que predomina nas análises dessa natureza é imbuído de tamanha ingenuidade que invariavelmente ignora a questão, erra o alvo e depois volta a hibernar – mas não por acaso. Trata-se somente de uma maneira educada de dizer: mudemos de assunto. O fato é que ninguém deseja ter razão porque ama a lógica, mas porque ama o poder – e isso é radicalmente incompatível com os valores idealizados de benevolência pacifista com os quais fomos inculcados. Vivemos a contradição de sermos água criada e regrada como óleo – e toda a nossa incoerência brutal está em acharmos que agir como liquidificadores resolverá alguma coisa em definitivo. Logicamente, a desordem alucinada inerente à questão do preconceito é resultante de nossa própria condição paradoxal – e da incompreensão disso. Pensemos nas minorias, que é um dos pontos centrais ao redor dos quais a questão perambula. Em geral, há dois tipos de minorias: as excessivamente poderosas e as completamente impotentes. Como nunca se ouve a respeito da reivindicação social das minorias de milionários exigindo igualdade por estarem cansadas do preconceito de só se verem relacionadas à opulência, ou das minorias superdotados, à inteligência, a questão não parece estar relacionada exatamente à menoridade. Não é o fato de ser minoria, mas a frustração da impotência, da marginalização, da irrelevância; existir em menor número só é agravante – ser também solitário. Tendo em vista que, nessas condições, é completamente impossível demonstrar com clareza que, como alegam, seus problemas decorrem de sua inferioridade numérica, podem pensar que isso se deve a uma conspiração universal contra sua liberdade existencial, mas parece mais plausível que simplesmente estejam enganados e perdidos em desvarios infantis de grandeza enquanto o resto do mundo sequer dá por suas almas deslocadas. Sendo a inquietude o quinhão daquilo que vive, ninguém suporta tal condição de braços cruzados por muito tempo – mesmo grandiosas ilusões post-mortem só funcionam como paliativo. Suas consciências vaidosas precisam culpar algo por não gostarem daquilo que são – mas mudar a si próprios, nunca, pois adaptar-se à realidade é uma humilhação às suas autenticidades sine qua non. Diante disso, adotam algum aborto teórico que, oportunamente, incorpora com exatidão suas aspirações, sancionando suas exigências peculiares, sua luta pelo poder – apesar de invocarem ideais nobres e aparentemente neutros para justificá-la moralmente, uma análise superficialmente crítica destes faria seus motivos pegarem a tangente da razão e caírem no vazio infinito do desatino – tal fragilidade é a marca distintiva de nossa hipocrisia. Ninguém, por mais retardado, faz barulho em nome de ideais. Trata-se de um pretexto: precisam somente da força simbólica que o ideal empresta à causa, que na realidade é seu umbigo. Nossa inteligência, obviamente, é empregada como mercenária, e a coerência que se lasque. Passamos três e meio bilhões de anos nesse esquema, matando uns aos outros, para chegarmos aqui, seria crasso pensarmos que uma pilha de livros produziria algo além de um lustre superficial em nossa animalidade inveterada. Carregando os instintos de um mamífero competitivo, levantam a voz com a ladainha do preconceito, com a pretensão de retirar de todos o direito a qualquer generalização – legítima ou não – que os envolva: querem-se à parte, inclassificáveis e intocáveis, almas sui generis da incognoscibilidade – é proibido que outrem escolha por si próprio o que pensar a seu respeito. Assim, se, numa particularidade qualquer, estiverem certos, estarão certos – e isso é tudo; porém, se estiverem obviamente errados, se forem incapazes de justificar sua posição de forma plausível, apontar a incoerência passa, então, a ser um ato criminoso de discriminação – tudo que os contradiz está necessariamente errado, inclusive a lógica, se os refuta, pois suas essências caprichosas estão acima da razão, acima da crítica, acima de tudo – até do que estão abaixo. Isso é uma pretensão gigantesca e, de fato, grande demais para ser somente isto: estúpida. Se o objetivo fosse erradicar o preconceito, somente seria necessário informar: a conscientização seria o caminho, e ficariam distribuindo panfletos pela rua. Mas não é. Nesse caso, o artifício de que lançam mão na luta por poder está em se valerem dos valores socialmente incrustados vinculados à compaixão. Não como um descarado argumentum ad misericordiam, naturalmente, dizendo “por favor, veja como sou importante, mesmo não sendo, veja como sou especial, como todos são” – a estratégia da honestidade crua só é válida quando se está certo. É curioso que, quando podemos justificar nossos absurdos com raciocínio claro e lógico, o fazemos com precisão cirúrgica; mas, se não tivermos razão, esta mesma passa a ser uma ilusão enganadora e limitada – somos de uma promiscuidade interminável. O pulo do gato dos insatisfeitos é frisar irritantemente a convenção social da igualdade de todos – noção notadamente cristã, daí sua sinergia perfeita com a compaixão. Com a invocação da ideologia do relativismo igualitarista, podem escudar qualquer asneira imaginável: pois até quem é digno de pena também é digno de respeito, até quem perde tem valor igual ao que vence, visto que somos todos iguais, apesar de sermos diferentes. Com que direito insolente exigem que o mundo – que não enxerga seu valor – os reconheça, doravante, como algo digno de consideração especial? O mesmo das crianças: gritar, bagunçar e incomodar até que o resto seja obrigado a acomodá-los. Não há nada de intrinsecamente digno ou consistente no palavrório espalhafatoso que vomitam para desviar a atenção desta realidade fundamental: o objetivo é sempre o mesmo – eles próprios. A forma irreconhecivelmente mutilada como usam a palavra preconceito não se trata, portanto, de um ledo equívoco, mas de um ardil para respaldar sua exigência cínica de importância e consideração que se vale de estratagemas quaisquer – até os gramaticais. Pensemos no típico discurso lamuriante dos pobres, dos deficientes, dos homossexuais, dos negros, dos índios, dos ateus, dos preservacionistas, das feministas, dos sem-alguma-coisa: se estiverem pedindo algo exclusivo, não precisamos de mais que alguns instantes para desmascará-los como impostores ou canalhas. Da forma como colocam os fatos, a impressão que temos é a de que vieram de um planeta distante onde ocupavam o centro de tudo. Querem-se especiais, dignos de direitos e benefícios reservados: provisões gratuitas por não terem emprego; reforma arquitetônica universal por não poderem subir escadas; reconhecimento moral por revolucionarem a função do esfíncter; exumação de termos abstrusos para rebatizarem a pigmentação cutânea; ressarcimento material da civilização que esmagou sua cultura; poder de veto sobre a irracionalidade por sua descrença erudita; imunidade a toda forma viva por sofrerem de compaixão paranóica; admiração dupla por se organizarem para serem iguais; tudo que quiserem, porque suas pobres almas sofrem profundamente. Isso parece um arrastão de mendigos alienígenas. Assim como a incapacidade de um alpinista chegar ao topo de Everest é problema exclusivamente dele, a incapacidade de lidar com diferenças é problema dos diferentes. Dentro do acaso de um mundo sem sentido, não enxergar ou não ter pernas não é desculpa para importunar o resto o mundo, que tem seus próprios problemas e é igualmente egocêntrico, sentindo-se o âmago da existência. Sofrimento e impotência, em si mesmos, não são argumentos bons para convencer outrem de que somos especiais. Se, para burlar isso, problematizam, distorcem e mentem sempre que convém, maquinando toda uma ficção persecutória sobre preconceitos inerradicáveis destruidores de vidas que deveriam ser iguais com o intuito de justificar sua estaticidade vitimada ante uma condição miserável, culpando tudo e todos por não intervirem naquilo que só diz respeito a eles próprios, só fica escancadoramente demonstrado que, na verdade, são exatamente iguais a todo o resto anônimo da humanidade, que está na enxada com a dignidade de manter a boca fechada quando não tem nada de relevante a dizer. Se a perspectiva colocada parece insensível, sejamos, pois, sensíveis. Defendamos, com um panteísmo demente, a igualdade dos automóveis – fuscas e ferraris devem ser tratados obrigatoriamente como a mesma coisa; fixar-lhes valores distintos é preconceito discriminatório inafiançável; haverá multas severas aos que aplicarem cera em só um deles; é compulsório que sejam abastecidos nos mesmos postos com quantidade idêntica de combustível, mesmo que a taxa de consumo destes seja diferente; são exigidas cotas de vagas para fuscas em todos os estacionamentos; os que tiverem mais de vinte anos de uso ganham desconto na troca de óleo – automóveis podem ser só objetos, mas compartilham o conosco a maravilhosa experiência de existir, levando-nos aonde quisermos rapidamente, e, preconceituosos que somos, disso sequer exibimos qualquer traço de consideração. Certamente só conseguimos rir disso – mas apenas porque máquinas não podem falar por si próprias, ou o fusca alegaria que a distinção entre carros é um preconceito automobilístico imposto ideologicamente pelas elites, e que o importante não é a potência do motor, nem a beleza estética da carroceria, nem o consumo, nem nada que não tenham em comum: só importa a alma gasolinenta que compartilham. Faria, então, um discurso sobre o valor transcendental de sua humildade automotiva – pois ninguém elogia as virtudes que não pode ter – e, depois, claro, processaria a ferrari por danos morais para conseguir uma graninha. O desprezo de tudo é estratégico. Um caso especificamente exemplar de falsificação e perversão de conceitos é evidenciado pelos obesos – e, por extensão, quaisquer indivíduos insatisfeitos com sua aparência física. De qual cabeça oca podemos supor que nasceu a sublime idéia de que a aparência não importa? De uma que não a tinha e, cheia de rancor, culpou a exterioridade. Como a beleza é uma realidade de valor auto-evidente, a única saída – para os quem não dispõem dela, mas, como todos, precisam vender seu peixe – é a calúnia: por esse motivo teceram filosofias eloqüentes sobre a futilidade do exterior – em palavras que escondem a sordidez do ressentimento, em cujas entrelinhas lêem-se: sou miserável, por isso todos também devem ser –, tentando negar o valor patentemente real, biológico e concreto da beleza física e, assim, valorizar o interior que, por acaso, era só o que tinham. Porém, como um indivíduo pode, além de belo por fora, ser, também, nos termos colocados, belo por dentro, tiveram de exigir, ainda, os direitos autorais desse plágio: quem tinha corpo perdia seu direito à alma e vice-versa, tornando-os, para sempre, inimigos mortais – como na aparente oposição entre força física e intelectual. Contudo, a beleza interior, propriamente analisada, é coisa completamente sem sentido – a não ser que tenhamos alguma fixação mórbida por vísceras pulsantes. O resultado é que agora temos duas belezas antagônicas: uma real e outra desmembrada em conceitos abstratos confusamente equivalentes à beleza física no mundo imaginário dos que se recusam a admitir isso se chama personalidade. Há um clima de vergonha e auto-reprovação que escorre das rachaduras dessa transmutação delirante. Se pensarmos nisso tudo com um pingo mísero de honestidade e nos perguntarmos: que diabo tem isso com preconceito – com ser incapaz de distinguir a relação entre os fatos corretamente, com raciocinar mal? Nada, precisamente nada. Quem porventura afirmasse que não gosta carros cor verde-musgo estaria sendo preconceituoso? Se considerarmos obesos feiosos significa que somos preconceituosos, então se os considerássemos belos, também? Pelo amor! Isso são preferências estéticas pessoais. Um pensamento realmente preconceituoso seria julgar que carros cor verde-musgo nunca trombam em esquinas; que todos gordinhos são legais e alegres; que, devido à pele de um indivíduo ser negra, sua alma é de larápio; que o cabelo claro especificamente loiro indica burrice, mas só em mulheres; que todo ateu é imoral porque não acredita numa entidade superior; que todo religioso, porque tem fé, é bondoso e honesto; que pessoas de óculos são inteligentes; que passar por debaixo de escadas ou quebrar espelhos dá azar; que o número treze carrega em sua essência um quê de terror – a lista vai ao infinito, e além. Isso são preconceitos, obviamente, mas tal fato não implica a inexistência de gordinhos legais, negros larápios ou loiras burras, e, contrariamente ao que se pensa, estes podem ser positivos ou negativos, dependendo somente da besteira que dissermos. Esse tipo de raciocínio não é falho por suas conclusões serem necessariamente impossíveis no mundo real, mas porque nenhuma das partes tem qualquer relação inteligível entre si, porque a estrutura lógica do argumento é um contra-senso; a dedução parece um salto de fé que descamba numa generalização grotesca. Ser preconceituoso, portanto, não é ter a alma impregnada de perversidade e malícia, mas raciocinar mal, fazer inferências sem nexo e proceder de forma cega, ignorando os fatos insistentemente – é um comportamento efetivamente supersticioso. Todavia, admitamos que, em essência, nada há de errado nisso, pois ninguém é obrigado a pensar coerentemente ou sequer prestar satisfações a esse respeito – podemos ser tão ilógicos quanto quisermos, mesmo que isso nos mate. Igualmente, nada há de errado em nutrir opiniões que não agradem todos que gostariam de ser agradados – senão por pensarmos que todo homem, por ser homem, deveria ao menos fingir concordar com todos e exibir um sorriso sardônico enquanto discorda em pensamento com a sensação de estar vivendo num teatro, nessa confusão violenta de todos. Ver a cena com tal clareza chega a ser triste. Mentiras feitas obrigatórias por canetas anônimas, realidades humanas sufocando por debaixo dos panos por motivos que não dizem nada. Ninguém ouve nada, pois estão todos gritando; e quem pára para ouvir, emudece. Tenhamos paciência, a virtude dos impotentes. |