Quando, em nossas atividades cotidianas, não nos sentimos solitários, isso indica que já perdemos completamente o contato com nós mesmos. Portanto, nessa situação, nossas vidas estão voltadas ao exterior, aos que nos circundam; dedicamos-lhes todo o nosso tempo. Vivemos em função de algo que, ao mesmo tempo, não somos nós nem os demais, na medida em que também eles não entram em contato conosco. Estamos imersos numa confusão de vozes que não se encontram. Contentamo-nos com acreditar que todos são o que aparentam ser, inclusive nós; escolhemos acreditar no mundo exterior para negar a distância entre nós e o outro, e também entre eles e si próprios. Todavia, na tentativa de entrar encontrar o outro, apenas nos tornamos também distantes de nós mesmos. Como só podemos entrar em contato com a fachada social dos demais, consideramo-nos também uma fachada. Nossas vidas resumem-se ao hiato entre abismos desconhecidos. Mesmo que sejamos nossa única verdadeira companhia, preferimos abandoná-la acreditando na linguagem. Deixamos de existir para conviver sozinhos, falando para ninguém, e com isso pensamos escapar da solidão; como dois telefones conversando entre si sem que haja pessoas por detrás. Essa é a figura que melhor ilustra a socialização humana. Resulta que vivemos do lado de fora de nós, onde não está ninguém, e achamos isso muito natural. A distância comum entre tudo nos acalma como se nos livrasse da responsabilidade de admitir que existimos. Vemos a nós próprios como uma espécie de questão filosófica abstrata e distante. Nós mesmos somos um assunto que não nos importa; o deixamos para os estudiosos. Nossa preocupação está em viver no admirável mundo oco, na realidade que acontece por cima das pessoas, nas cidades, nos bares, nos jornais. Queremos existir às avessas, numa vida exterior comum, onde nosso interior é tão desconhecido que o chamamos de livre-arbítrio. |